Introdução à Seção Terceira do Livro III d’O Capital

Lucio Colletti
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A seção terceira do livro III d’O Capital, de Marx, intitula-se: “Lei da queda tendencial da taxa de lucro”. A seção consta de três capítulos que aqui se reproduzem em sua integridade. O capítulo XIII define “A lei enquanto tal”; o capítulo XIV trata das “Causas contrariantes” que neutralizam a ação da lei geral; o capítulo XV examina o “Desenvolvimento das contradições internas da lei”.



O raciocínio desenvolvido por Marx nessa seção é bastante mais linear do que parece a primeira vista. Todo o seu discurso versa sobre os efeitos contraditórios com que se manifesta o aumento da produtividade do trabalho nas condições capitalistas. Para aumentar a mais-valia, o capital deve incrementar a produtividade do trabalho: com efeito, esta última - ao determinar uma diminuição do tempo de trabalho incorporado a cada produto e, portanto, uma diminuição do valor de cada mercadoria (”a magnitude do valor de uma mercadoria, diz Marx, varia em razão inversa à força produtiva do trabalho efetivado nela”) - também determina a diminuição do tempo de trabalho necessário para produzir os meios de subsistência do operário, isto é, reduz a parte da jornada de trabalho em que a força de trabalho se reproduz a si mesma para, ao contrário, aumentar o tempo de trabalho suplementar que o operário cede ao capital, isto é, a mais-valia. Por outro lado, como para aumentar a produtividade do trabalho o capital deve revolucionar constantemente a base técnica da produção, introduzindo novas e mais custosas máquinas, a mesma causa que incrementa a produtividade do trabalho também aumenta a “composição orgânica” do capital, ou seja a proporção entre a parte do capital que se gasta na aquisição de máquinas e matérias primas, o “capital constante”, e sua outra parte, o “capital variável”, o fundo salarial que, ao contrário, está destinado a aquisição da força de trabalho.

Em virtude do primeiro aspecto, o aumento da produtividade do trabalho é sinônimo de aumento da “taxa de mais-valia” ou taxa de exploração, expressão com a que Marx entende a relação entre a mais-valia produzida e o componente variável do capital adiantado, ou a relação entre a mais-valia e o trabalho necessário.

Em virtude do segundo aspecto, isto é, da incrementada “composição orgânica” do capital, tem-se, ao contrário, uma queda da “taxa de lucro”, isto é, uma queda da relação na qual a mais-valia encontra-se relacionada não só com o componente variável mas com todo o capital invertido.

A lei, portanto, é uma, mas tem dois lados: no sentido de que, como explica Marx, “a taxa de lucro não cai porque o trabalho torna-se improdutivo, mas porque se torna produtivo. Ambas coisas, o aumento da taxa de mais-valia e a queda da taxa de lucro só são formas especiais em que se expressa, no capitalismo, uma produtividade crescente do trabalho”.

Resulta evidente a importância que tem esta lei dentro do quadro de análise de Marx. A taxa de lucro constitui a força motriz da produção capitalista; no capitalismo só se produz o que se pode produzir com lucro e na medida em que se pode obter tal lucro. Se, portanto, esta força motriz tem tendência a debilitar-se, quer dizer que o destino de todo o sistema está selado.

Em resumo, a lei é algo mais que uma das tantas leis enunciadas ao longo de todo O Capital, pois resume toda a visão que Marx teve do capitalismo. Com efeito, para ele, a contradição inerente ao desenvolvimento da produtividade do trabalho nas condições capitalistas é expressão culminante da natureza contraditória de todo o sistema “o desenvolvimento das forças produtivas do trabalho social é a tarefa e a legitimação histórica do capital”, mas “justamente com isso ele cria inconscientemente as condições materiais de uma forma superior de produção”.

Em outras palavras, para desenvolver-se, o capitalismo necessita uma produtividade cada vez maior do trabalho: o incremento desta última é o meio pelo qual aumenta a mais-valia e, portanto, desenvolve-se a acumulação. Por outro lado, se este incremento da produtividade é o meio de vida do capital, o fato de que se traduza em um aumento da composição orgânica o converte ao mesmo tempo em um limite insalvável para a autovalorização do capital mesmo. A razão de vida transforma-se em uma razão de morte. Ou como diz Marx, “o meio - desenvolvimento incondicional das forças produtivas sociais - entra em constante conflito com o objetivo limitado, o da valorização do capital existente”, de maneira que, conclui, “se o modo capitalista de produção é o meio histórico para desenvolver a força produtiva material e criar o mercado mundial que lhe corresponde, é ao mesmo tempo a constante contradição entre esta sua missão histórica e as relações sociais de produção correspondentes a tal modo de produção”.

Em conclusão são duas as forças que atuam sobre a taxa de lucro: a taxa de mais valia e a composição orgânica do capital. O desenvolvimento da produtividade do trabalho faz aumentar simultaneamente ambas. Mas como, a longo prazo, a segunda força excede a primeira, a causa que impulsa a queda da taxa de lucro deve prevalecer finalmente, segundo Marx, sobre o aumento da taxa de mais valia que, ao contrário e por si mesma, tende a conter essa queda ou a anulá-la diretamente em certas condições.

Tal é em grandes linhas o sentido do discurso. E agora, inclusive para os fins de um melhor entendimento, lancemos uma olhada à mais recente literatura crítica sobre o argumento.

A objeção principal a que todos os críticos se adscrevem, pode se enunciar do seguinte modo: ao descrever no capítulo XIII a queda da taxa de lucro que decorre do aumento da composição orgânica do capital, Marx - afirma-se - supõe que a taxa de mais valia não aumenta, mas que permanece constante. O procedimento resulta ilegítimo. Com efeito, se para aumentar a produtividade do trabalho é necessário aumentar a composição orgânica do capital, isto é, introduzir máquinas novas e mais custosas, também é certo que se procura acrescentar a produtividade do trabalho porque esta aumenta a taxa de mais valia. Enquanto que os dois fenômenos (aumento da composição orgânica e aumento da taxa de mais valia) são os dois efeitos opostos, mas inseparáveis, da incrementada produtividade do trabalho, Marx - afirma-se - comete o erro de separá-los, construindo o capítulo que trata da lei enquanto tal somente sobre a base do primeiro efeito, e relegando o outro (isto é, o aumento da taxa de mais valia) ao capítulo 14, dedicado às tendências antagônicas. Este modo de proceder resulta arbitrário. Com efeito, ao tratar separadamente os dois processos Marx consegue considerar o aumento da composição orgânica, com a conseqüente queda da taxa de lucro, como uma tendência fundamental, e o aumento da taxa de mais valia (que reduz ou anula essa queda) como uma causa antagônica mas secundária com relação à primeira. É a crítica desenvolvida por Ludwig von Bortkiewicz em Wertreohnung und Preisrechnung im Marxchen System (cm. Archiv fur Sozialwissenschaft und Sozialpolitik, setembro de 1907, pp. 466-7), e que logo também retomou Paul M. Sweezy e sua Teoria del desarrollo capitalista (México, FCE, 1970, pp. 113-121).

O aumento da composição orgânica e o aumento da taxa de mais valia - escreve Sweezy - são duas variáveis que “devemos considerar (…) como de importância aproximadamente coordenada”. Resulta impossível dizer a priori qual das duas prevalecerá. Logo, ” se supomos que tanto a composição orgânica do capital como a taxa de mais valia são variáveis, como acreditamos que deveria fazer-se, então a direção em que a taxa de lucro mudará faz-se indeterminada”: esta diminuirá - diz Sweezy - ” se a porcentagem de aumento na taxa de mais valia é menor que a porcentagem de diminuição na proporção do capital variável com relação ao capital total”; em caso contrário, em vez de diminuir, a taxa de lucro aumentará. De qualquer maneira “se os atos dos capitalistas tiverem êxito na restauração da taxa de lucro ou se atuarão somente para apressar seu descenso, é uma conclusão que não se pode apoiar em razões teóricas ou gerais”.

Análoga à posição de Bortkiewicz é a crítica desenvolvida por Joan Robinson no capítulo 5º de seu “An essay on Marxian economy” (Introducción a la economía marxista, México, Siglo XXI, 1968). O erro de Marx consistiu em que ao considerar o aumento da composição orgânica supôs que a taxa de mais valia permanecia constante, ainda quando logo considerou o aumento como uma exceção ou uma causa antagônica especial, mas sempre subordinada à primeira tendência. Na realidade, não só a taxa de mais valia aumenta simultaneamente com a composição orgânica mas que, como o incremento da produtividade do trabalho não tem limite, essa taxa pode teoricamente desenvolver-se até um ponto tal que domine e prevaleça estavelmente sobre a outra tendência.

É um fato que, como Engels destacou, à diferença do livro II de “O Capital”, o texto deixado por Marx para o terceiro só constitui ” um primeiro rascunho, que além do mais é extremamente lacunoso”. O texto deveria ter sido reelaborado de pés a cabeça; com efeito, quanto mais se avançava nele, ” tanto maior caráter de esboço e tantas maiores lacunas oferecia a elaboração, tanto maior número de digressões continha acerca de pontos secundários que surgiam no curso da pesquisa, e cujo lugar definitivo deixava-se para um ordenamento posterior, tanto mais longos e intrincados os períodos no que se expressavam as idéias anotadas em estado nascente “.

Mas mesmo tendo em conta isto e reconhecendo que “a primeira ( mas só a primeira) página do capítulo XIII da seção dedicada à queda tendencial da taxa de lucro parece dar razão aos críticos acima mencionados”, hoje resulta um fato adquirido - depois do estudo fundamental de Roman Rosdolsky, Zur Entstehungsgeschichte des Marxschen ‘Kapital’ (Francfort del Meno, 1968. vol. II, pp. 467-483 (em esp. Génesis y estructura de El Capital de Marx, México, Siglo XXI, 1978, pp. 440-454)), e independente do juízo de mérito que se queira emitir acerca da validez ou não da lei marxista da baixa da taxa de lucro - que uma leitura atenta do texto de Marx deve permitir concluir (como recentemente foi admitido também por Ronald Meek, outro crítico dessa lei) que, no curso de sua análise, “Marx não dava em absoluto por suposto que a taxa de mais valia permanecesse constante” mas que “ao contrário, supunha expressamente que todo aumento da composição orgânica teria sido acompanhada pelo aumento da taxa de “mais valia” e, “não obstante”, sustentava que esse aumento da taxa de mais valia não teria impedido que “com o tempo” caísse a taxa de lucro” (cf. Ronald Meek. Scienza economica e ideologia, Bari, 1969, p. 65).

Resulta evidente que defeitos de forma bastante sensíveis complicam e às vezes tornam insatisfatória a exposição que Marx nos deixou. Nesse sentido talvez pudesse dizer-se que os capítulos XIII e XIV representam a “tese” e a “antítese” (isto é, momentos abstratos de por si) de um discurso que só alcança sua plena concreção no curso do capítulo XV, dedicado ao “Desenvolvimento das contradições internas da lei”.

Por outro lado, como destacou Henryk Grossmann en Das Akkumulations - und Zusammenbruchsgesetz des Kapitalistischen Systems (Leipzig, 1929, p. 116 (em esp. La ley de la acumulación y del derrumbe del sistema capitalista, México, Siglo XXI, em preparação)), o método de isolamento dos outros dois fatores seguidos no caso por Marx já tinha um ilustre precedente no tratamento que dá John Stuart Mill à taxa de lucro. Mas independente de como estejam as coisas a esse respeito, é um mérito indiscutível de Rosdolsky ter documentado amplamente o infundado da leitura crítica de Bortkiewicz, de Sweezy e de Robinson, mostrando já seja à luz das “Teorias sobre a mais valia” ou bem à luz de algumas páginas fundamentais dos Grundisse (por ele invocadas no cap. 26 de seu livro) que Marx sempre supôs que o aumento da composição orgânica do capital vai acompanhado de uma taxa de mais valia crescente em vez de constante.

Por outro lado o ponto que mais insatisfatório parece na exposição de Marx, tal como os deixou, é o que se refere aos efeitos do aumento da produtividade do trabalho para os fins do “barateamento dos elementos do capital constante”. É verdade que - ademais de estar entre as 6 causas que contrariam a queda da taxa de lucro, especificadas no capítulo XIV - o “barateamento dos elementos do capital constante” também aparece dentro do capítulo XIII, mas talvez seja necessário dizer que ao elaborar “A lei enquanto tal”, Marx não teve suficientemente em conta esse importantíssimo fator. Se é verdade, com efeito, que o aumento da produtividade do trabalho implica em geral uma composição orgânica mais alta do capital, não é menos certo que o aumento da produtividade reduz não só o valor das mercadorias que formam parte dos meios de subsistência da força de trabalho, mas também o valor das máquinas e das matérias-primas; de modo que o aumento do volume físico do capital constante, isto é, ao aumento da “composição técnica” do capital, nem sempre corresponde o da sua “composição orgânica” que, como se sabe, constitui uma expressão de valor e nada tem a ver com as dimensões físicas do capital mesmo.

Literalmente, todas essas proposições também se encontram - por suposto - no texto de Marx, mas trata-se de ver até que ponto, quando preparava o esquema da lei da queda da taxa de lucro, tinha suficientemente em conta o fato de que - se em geral, para aumentar a produtividade do trabalho resulta necessário aumentar a composição orgânica do capital - um dos primeiros efeitos desta maior produtividade é a redução de tempo de trabalho necessário para produzir os meios de produção, isto é, a diminuição da magnitude de valor dos elementos de capital constante e, portanto, também a diminuição da composição orgânica.

Esse é o argumento sobre o que mais insistiu em seu ataque à teoria da queda da taxa de lucro uma animosa economista de orientação marxista como Natalie Moskowska, já seja em Das Marxsche System (Berlim, 1929, pp. 118 ss.) e em Zur Kritik moderner Krisentheorien (Berlim, 1935, pp. 46 ss. (em esp. Contribución a la crítica de las teorías modernas de las crisis, Cuadernos de Pasado y Presente, nº 50, México, Siglo XXI, 1978, pp. 52 ss.)), como também e sobretudo na seção dedicada ao “Progresso técnico e a tendência da taxa de lucro” de seu último livro, Zur Dynamik des Apatkapitalismus (Zurich-Nova Yorque, 1943, pp. 21-50). Argumento para cujo desenvolvimento Moskowska valeu-se em particular do capítulo fundamental sobre “Maquinaria e Grande Indústria” do livro I de O Capital: a) Dando grande realce às considerações ali formuladas acerca das especiais condições em que sobrevêm à introdução de novas máquinas dentro do capitalismo (”o limite para o uso da maquinaria - diz Marx - está dado pelo fato de que sua própria produção custe menos que o trabalho substituído por seu emprego). Como aquele não paga o trabalho empregado, mas o valor da força do trabalho empregada, para ele o uso da máquina está limitado pela diferença que existe entre o valor da mesma e o valor da força do trabalho que o substitui”), o qual significa que as inovações técnicas que introduz o capitalismo só são as que podem multiplicar mais vezes a produtividade do trabalho e mais vezes, portanto, a taxa de mais valia. b) Insistindo no fato de que a intervenção cada vez mais imediata e direta da ciência no processo produtivo aumentou vertiginosamente, sobretudo nos últimos decênios a possibilidade de que o aumento da “composição técnica” do capital vá acompanhado de um aumento bastante modesto ou, diretamente, de uma diminuição de sua “composição orgânica”.

No entanto (independentemente - repetimos - da validez ou não da lei da queda tendencial da taxa de lucro), o que surpreende em Moskowska, não menos que em Sweezy e nos demais críticos, é sua incapacidade para reconstruir em seus termos reais o discurso desenvolvido a esse respeito por Marx. Olhando bem, sua crítica articula-se sobre dois argumentos .

O primeiro é que o incremento da força produtiva do trabalho teria capacidade de determinar uma redução do valor nos elementos do capital constante como para impedir que o aumento da “composição técnica do capital” lhe corresponda o de sua “composição orgânica”.

O segundo é que a taxa de mais valia em princípio pode aumentar no mesmo ritmo que a composição orgânica do capital de maneira a anular os efeitos que esta tem sobre a redução da taxa de lucro, ou bem - para retomar a expressão de Sweezy - que o aumento da composição orgânica e o aumento da taxa de mais valia são duas variáveis “de importância aproximadamente coordenada”.

Ora, o que não satisfaz destas contra-deduções (pelo menos desde o ponto de vista da filologia do texto) é, ao nosso ver, o fato de que - ao criticar o discurso de Marx - omite em considerar alguns dos argumentos em que se apóia o próprio Marx.

Com efeito, no concernente ao primeiro ponto, resulta significativo o que Marx diz no capítulo sobre Cherbulier no segundo volume das “Teorias sobre a Mais Valia”, onde entre outras coisas, e para explicar como o valor desse elemento do “capital constante” que são as matérias primas não pode ser diminuído além de certos limites, Marx escreve que ” uma parte das matérias primas, a lã, a seda, os couros , etc., é produzida por meio de processos orgânicos e animais ou por meio de processos orgânicos e vegetais, como ocorre com o algodão ou o linho” e “a produção capitalista não conseguiu nem conseguirá nunca, governar esses processos como se fossem processos puramente mecânicos ou de química inorgânica”.

No que concerne ao segundo ponto, isto é, a possibilidade que tem a taxa de mais valia de compensar com seu aumento o da composição orgânica do capital, é necessário ter presente que, se é muito certo que a diminuição percentual do capital variável ou fundo salarial (pois isso significa o aumento da composição orgânica) pode ser compensada mediante o aumento da taxa de mais valia (ou, coisa equivalente, que a diminuição relativa do número de operários empregados pode ser anulada mediante um aumento do grau de exploração da força de trabalho), no entanto existem aqui “limites absolutos” (por exemplo no sentido de que a mais valia de 2 operários, ao não poder superar os limites naturais da jornada laboral, jamais poderá compensar a mais valia, embora seja de uma hora, de 50 operários): tal é o que Marx explicou com grande clareza, a parte de fazê-lo no parágrafo 2 do capítulo 15 do livro III, no capítulo IX do livro I de “O Capital” e - como mostrou conclusivamente Rosdolsky (op. cit., pp. 478-82 (em esp. pp. 449-53)) - em numerosos lugares de sua obra.

Finalmente, só dedicaremos aqui umas poucas linhas a examinar outra corrente interpretativa surgida nos últimos anos, cujos expoentes são Joseph Gillman e Giulio Pietranera.

A tese sustentada (embora com diferenças de matizes) por esses dois autores estabelece que a queda tendencial da taxa de lucro, preconizada por Marx, teve lugar efetivamente e, de fato, operou durante o período transcorrido entre fins do século passado e começo do presente, mas que o capitalismo reacionou ante ela desenvolvendo o monopólio e, assim, ingressou em uma fase qualitativamente nova onde aquela lei já não encontra aplicação.

“A contínua diminuição da taxa de lucro nos últimos decênios do século XIX - escreve Gillman -, agravada por crises cíclicas cada vez mais agudas, determinou que os capitalistas adotassem duas contramedidas principais. A primeira foi a formação de diversas espécies de combinações industriais e bancárias com o propósito de reduzir a área da concorrência, controlar a inversão e a produção e eliminar as práticas destrutivas das reduções de preços. A outra foi o aumento progressivo da escala de produção com o propósito de obter economias de escala, e o progressivo aperfeiçoamento da tecnologia da produção com o propósito de elevar a produtividade do trabalho” (Il saggio di proffito, Roma, 1961, pp. 110-111, e cf. também G. Pietranera em sua introdução a Rudolph Hilferding, Il capitale finanziario, Milão, 1961, pp. iii-iv).

O resultado desse processo, iniciado no curso da “Grande Depressão” do último quartel do século passado, foi que “depois da 1ª Guerra Mundial, a natureza do capital constante sofreu uma mudança qualitativa ocultada pela sua expressão quantitativa tradicional”, e que “a substituição cada vez maior de máquinas industriais mais custosas por equipamentos industriais menos dispendiosos e as economias cada vez maiores no consumo de matérias primas, reduziram o ritmo da expansão quantitativa do capital constante, seja no valor ou na massa dos seus componentes”, de onde “a relativa imobilidade da composição orgânica no curso de todos estes anos”.

A conseqüência última de tudo isso seria , segundo Gillman, que “no período do capital monopolista o problema da queda tendencial da taxa de lucro converte-se sobretudo no problema da realização da mais valia líquida” (op. cit., pp. 124-125 e 133) e que, portanto, a lei já não se coloca nos termos originariamente previstos por Marx.

Agora é necessário examinar um último ponto que, embora não se possa pensar em esgotá-lo em poucas palavras, no entanto merece ser assinalado. A lei da queda tendencial da taxa de lucro - a juízo de muitos intérpretes - é o signo, não só da presença de uma “teoria do colapso” (do capitalismo) em Marx, mas também do fato de que esta teoria é reivindicada como parte essencial do marxismo teórico.

No final do capítulo 26 de seu livro - depois de haver transcrito uma extensa passagem dos Grundrisse -, Rosdolsky fala de “Zusammenbruchs” - Prognose e na nota de pé de página agrega : “A tese segundo a qual Marx não haveria desenvolvido uma ” ‘teoria do colapso’ é atribuível sobretudo à interpretação revisionista do sistema econômico de Marx desenvolvida antes e depois da 1ª Guerra Mundial. A esse respeito, o mérito teórico de Rosa Luxemburgo e de Henryk Grossmann jamais poderá ser apreciado o suficiente.”

Em termos análogos expressou-se também Joseph Gillman: “A lei da queda tendencial da taxa de lucro é associada por Marx a sua tese da declinação e colapso inevitável do capitalismo (…) Se não existisse essa radical tendência descendente da taxa de lucro do sistema, com todas as conseqüências que lhe atribui Marx, seria difícil imaginar o desenvolvimento de conflitos que dentro da classe capitalista e entre esta e a classe operária, se convertessem numa ameaça contra a existência do sistema. Nos fatos, também este como todos os organismos vivos, seria afetado pelos males do crescimento e do desenvolvimento. Mas tais males poderiam considerar-se como dores passageiras que se originariam em causas elimináveis e não estabeleceriam as premissas da sua derrocada final (…). Portanto - conclui Gillman - os marxistas associam em geral a lei da queda tendencial da taxa de lucro à sua concepção do destino final do capitalismo enquanto sistema de produção social” (op. cit., pp. 29 e 33 - 34).

Resulta difícil poder negar a força que tem os argumentos desses autores. Pelo menos em um aspecto do pensamento de Marx parece que efetivamente existe lugar para uma “teoria do colapso” e, não por azar, autores como Moskowska e Sweezy que negam o “colapso” fazem valer - contra a lei da queda da taxa de lucro - a consideração de que assim como a “direção na qual a taxa de lucro mudará torna-se indeterminada”, tampouco resulta determinável a priori nem se quer o futuro do sistema. Em todo sentido, a questão apresenta-se complexa.

Bernstein, no final do século passado, imputou ao Marxismo ser “uma teoria do colapso”. Kautsky e outros “ortodoxos” negaram então que isso fosse certo. Hoje, ao contrário, Rosdolsky e outros reivindicam o “colapso” como um requisito essencial da análise de Marx.

Pelo contrário, estudiosos como Maurice Dobb, que também aceitaram o discurso de Marx sobre a queda tendencial da taxa de lucro, não só negam que dele se possa tirar conclusões de caráter “demasiado mecanicista” como se a lei “descansasse na previsão de que o lucro decrescesse em forma de uma curva continuamente para baixo até alcançar um ponto no qual o sistema teria que parar bruscamente, como uma máquina a qual lhe faltasse vapor”, mas que a risco de esvaziar de toda significação o mesmo consenso que lhe entregam ao discurso de Marx, também terminam até por negar que a lei contenha a indicação de “qual das duas tendências” deverá prevalecer no futuro: justamente o que sustenta Dobb quando escreve que “a verdadeira interpretação parece ser que Marx considerou a tendência e as forças no sentido contrário como elementos em conflito dos quais surgia a direção geral do sistema” e que “teria sido contrário a todo seu método histórico sugerir que podia dar-se uma solução em forma abstrata ou que alguma conclusão de aplicação universal poderia deduzir-se mecanicamente dos dados relativos às mudanças técnicas examinadas no vazio” (cf. Maurice Dobb, Economía política y capitalismo, México, FCE, 1973, p. 79).